Enganosa é a graça, e vã, a formosura, mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada. Provérbios 31:30.
“Bonita(o)” é um termo muito usado hoje em dia em diferentes contextos. Nós usamos a palavra “bonita(o)” quando falamos sobre uma pessoa, o tempo lá fora ou um ato de bondade. Mas essa palavra também tem sido usada para descrever um tipo particular de mulher — o tipo de mulher mostrada em outdoors, em sites na internet e em anúncios de revistas e de televisão. Essas empresas e pessoas promovem uma beleza externa baseada quase exclusivamente na aparência física de uma mulher. Nossa cultura tem nos dito que quanto menos uma mulher veste, quanto mais maquiagem ela usa, mais bem feita fica sua figura e, quanto mais ela ostenta isso, mais bonita ela é.
Esse erro é tão velho quanto a nossa queda. Homens caídos sempre tiveram a propensão natural de ver a beleza como uma realidade externa. Ele também é propenso a abusar da beleza, transformando o que todos chamam de bonito em algo que possa satisfazer suas paixões pecaminosas. Garotas estão crescendo em uma época onde elas encaram uma avalanche de mensagens que as dizem que devem parecer com modelos em pôsteres pin-up ou ser a garota mais bonita da escola. Nossas filhas estão crescendo em uma sociedade que diz a elas que são valorizadas por sua aparência mais do que por seu comportamento ou pela disposição interior de seus corações.
E o problema não é exclusivamente uma questão de como nossas filhas se vestem ou se arrumam. Nossos filhos estão crescendo em um mundo saturado de mensagens sexuais de todos os tipos. O corpo masculino é usado para vender de tudo, desde cerveja e cigarros até jeans de designers e perfumes caros. Homens jovens são encorajados a fortalecer seus corpos e mostrá-los em regatas e calças coladas. Eles são encorajados a ir atrás das garotas que se vestem com as roupas mais sexy e a amarem mais o prazer do que a Deus. Eles estão em busca de “gostosura” e não de piedade. Os avisos ditos em larga escala em Provérbios (veja Pv 5:3-14) propõem que jovens homens tomem cuidado com mulheres assim, mas eles quase sempre se esquecem disso.
Então qual é o remédio? Dezenas de livros já foram escritos sobre esse tópico. Conferências femininas têm sido criadas para encorajar jovens mulheres. Muitos pastores francos, tanto no púlpito quanto em grupos de jovens do ensino médio, têm tentado realinhar o pensamento de suas congregações. Atrizes que costumavam ser símbolos sexuais têm respondido a essa tendência crescente. Mas, apesar de todas essas tentativas, não houve uma solução boa e permanente. Homens continuam a cobiçar o que Deus criou e mulheres continuam a comprar, ao longo das décadas, a ideia de que elas precisam ser de certo tamanho e ter todas as características corretas. Essa distorção não pode ser consertada por mero conhecimento, por conversas estimulantes ou por programas pragmáticos de 12 passos. Testemunhos psicológicos ou pessoais não são propensos a mudar essa atitude. Você pode dizer aos homens o quanto quiser sobre a beleza ser vã e às mulheres que o favor desta é efêmero, mas o problema não será resolvido, porque é um problema interior.
UM PROBLEMA DO CORAÇÃO
Esse problema transcorre tão profundamente quanto o pecado. É um problema do coração. No Jardim do Éden, nos é dito que Eva admirou a aparência exterior da fruta antes que ela a pegasse e comesse. E, desde a queda, nossos olhos estão cegos. Nós não vemos realmente. Nós acreditamos que as formas, figuras e sensações que vemos e experimentamos no presente tempo são tudo o que a realidade é. O coração natural raramente pensa além do mundo real. Nós também somos propensos a pensar que o mundo físico e material é tudo o que existe. Não pensamos além da superfície. A solução para esse problema encontra-se no coração do evangelho. O evangelho sozinho é o remédio para a doença da alma que confronta nossas filhas atualmente. Por causa da mensagem do evangelho, existem medidas proativas que nós, pais, podemos tomar para encorajar nossas filhas e filhos a ter uma visão bíblica e apropriada da beleza.
A resposta do evangelho para essa distorção de beleza começa quando olhamos para nossos corações e estamos convictos de que eles são perversos e traiçoeiros. Quando se trata do homem, existe mais do que está à vista. Apesar de muitos de nós andarmos por aí como se tivéssemos nossas vidas bem ajeitadas de modo que pareçamos seguros, felizes e possamos agir como se fôssemos viver para sempre, a verdade do evangelho é que, por natureza, estamos mortos em nossos pecados e em nossas ofensas. Estamos alienados de Deus. Nós estamos em inimizade com Deus e Cristo. A condição humana antes de Deus não é como a condição de uma pequena órfã chinesa que vemos em panfletos, os quais nos encorajam a adotar essas crianças inocentes e em sofrimento. Nossa condição não é de inocência, beleza ou mesmo amabilidade diante de Deus. Nossa condição interior é pior do que gostamos de imaginar.
Por causa disso, por natureza, odiamos as coisas que Deus ama e amamos as coisas que Deus odeia. Pecadores que estão mortos em seus pecados não conseguem apreciar a glória de Deus pelo que ela é. Eles não conseguem estimar o que Deus valoriza. Eles não veem coisas do modo como Deus as vê. Em vez disso, sua disposição interior de pecado e de perversão faz com que eles vejam as coisas radicalmente diferentes de como Deus as vê. Pense nas declarações de Paulo em Filipenses 3. Ele estava tão confiante de sua posição diante de Deus antes de sua conversão. Por todas as aparências externas, Paulo era um homem piamente religioso, o qual era zeloso para com as coisas de Deus. Mas por não achar sua justiça em Jesus Cristo somente, Paulo foi o oposto de um homem religioso. Ele não entendeu que sua posição diante de Deus não era afetada pelas aparências externas. Ele viu sua própria justiça como a base para sua salvação, não a justiça que vem de Jesus Cristo.
Estamos todos mergulhados no pecado por natureza. E é aqui que Cristo vem ao nosso encontro como nosso único remédio. Vale a pena meditar sobre duas apresentações bíblicas de Cristo nesse contexto.
CRISTO COMO O ÚNICO REMÉDIO
Primeiro, Cristo é requintadamente bonito. Nele, a soma de toda a beleza e perfeição é encontrada. A amada na Música de Salomão 5:16 exalta a beleza de seu amado. Ela diz: “Ele é totalmente desejável.” Não há nenhuma mácula ou imperfeição nele. Não há nenhuma característica que não seja atraente. Tudo em nosso Senhor Jesus Cristo é perfeito, brilhante, bonito — Ele é totalmente desejável. Todos os Seus feitos devem ser adorados. Sua pessoa deve ser cultuada. Ele é a fonte de toda a beleza. De igual modo, o salmista, refletindo sobre a beleza do Senhor Jesus, diz que seu coração está “transbordando”, ou compondo, “boas palavras”, de forma que “ao Rei consagro o que compus” (Sl 45:1). As palavras vêm a ele tão fácil e rapidamente quanto um hábil escriba poderia escrevê-las com caneta e tinta. O que o move a cantar em voz alta? “Tu és o mais formoso dos filhos dos homens; nos teus lábios se extravasou a graça” (Sl 45:2).
Em dias em que estamos propensos a idolatrar a beleza exterior e a pensar que tudo que brilha é ouro, temos que ser impactados com a beleza espiritual e o encanto de Jesus Cristo e exaltá-los. Samuel Rutherford uma vez disse: “Nenhuma caneta, nem palavras, nem imagem pode expressar para você a beleza do meu único, único Jesus Cristo.” Temos essa visão da beleza de Cristo? Vemos unicamente Ele como “totalmente desejável”?
Segundo, Cristo é profundamente manso. Ele é o servo manso e humilde do Senhor. Profetizando sobre a vida de Cristo, Isaías disse: “Porque foi subindo como renovo perante ele e como raiz de uma terra seca; não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse. Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso.” (Is 53:2-3). O eterno e totalmente desejável, glorioso e belo Jesus Cristo tomou sobre si a forma de servo. Ele veio na semelhança da carne pecaminosa para ser pecado pelos pecadores merecedores do inferno. Ele foi infligido, como o profeta disse, além do que se pode reconhecer. Ele passou Seus primeiros 30 anos de ministério terreno como um homem simples aos olhos dos outros, e os três últimos como desprezado e rejeitado por muitos de Seus companheiros judeus. Nós O rejeitamos e desprezamos. Escondemos nossos rostos d’Ele.
Mesmo assim, não é essa uma imagem bela? Cristo, o Filho eterno, existindo em inefável glória, desce e toma sobre Si a forma de um homem feio. Caro crente, levando seus pecados, pesares, cicatrizes e transgressões sobre Si, Ele foi feito um horrendo espetáculo perante Deus e o homem. E é aí que se encontra a verdadeira beleza. A cruz traz juntamente o Cristo totalmente desejável e o Cristo totalmente rejeitado, produzindo uma grande trama da glória e sabedoria de Deus. É de Cristo que, nessas duas apresentações de Sua “beleza”, somos destinados a derivar nossa definição de beleza; a beleza d’Aquele que amou a Deus e viveu somente para fazer a vontade d’Ele, e Aquele que por amor a nós consentiu em ser humilhado, rejeitado e crucificado por nossa causa.
O evangelho casa a beleza de Cristo e a nossa feiura; ele nos redime de nossa feiura e nos dá a beleza de Cristo. Essas verdades espirituais têm amplas implicações no modo como vemos a beleza. Se viéssemos a Cristo somente porque nossos olhos viram algo fisicamente apelativo, nunca viríamos a Ele. Nossos olhos devem ver através das lentes da fé para entender o que estava acontecendo enquanto Jesus era crucificado no Calvário. Sua beleza está em Seus sofrimentos e morte. Esse retrato de beleza que Cristo pinta para nós deve se tornar nosso padrão de beleza. O que queremos dizer com isso?
Simplificando, precisamos entender que a beleza não está nos olhos de quem vê; isto é, beleza não é simplesmente uma questão de nossos próprios gostos e preferências. Beleza deve ser definida por Cristo. Beleza precisa ter uma perspectiva eterna. Esse é o principio que precisamos ensinar a nossas crianças. Deus é a perfeição de beleza e qualquer beleza verdadeira O reflete. Devemos enxergar as pessoas como Deus as enxerga e devemos ensinar nossas crianças a fazer o mesmo. A respeito da perspectiva eterna que devemos ter sobre as pessoas, C. S. Lewis disse, de forma perspicaz, que todas as pessoas são almas imortais e que todos um dia irão cair em uma de duas categorias.
Elas são ou “uma criatura que, se víssemos agora, nos sentiríamos fortemente impelidos a adorar; ou então a personificação do horror e da corrupção só vistos em pesadelos.” (O Peso de Glória). Da perspectiva de Deus, nós somos ou redimidos, compartilhando da beleza e glória de Cristo, ou somos não salvos, miseráveis e almas mortas permanecendo sob a ira. Beleza, desejo e amabilidade — é Deus quem define esses termos. E Cristo define beleza em termos do objeto refletir Sua glória, não nossa própria glória.
Então como encorajamos nossas filhas (e filhos!) em direção à modéstia? A primeira resposta, dada acima, é de ensiná-los a redefinir seus termos de acordo com o evangelho. Mostrá-los que Jesus Cristo é aquele que define a verdadeira beleza e que essa verdadeira beleza é encontrada em tudo que reflete a Sua glória. Treinamos nossas crianças, com a ajuda do Espírito Santo, a acreditar nas palavras da Bíblia mais do que em si mesmos, seus pares ou no mundo ao redor deles. Mas podemos pegar isso e aplicar mais especificamente às situações, circunstâncias, pecados e tentações que nossos filhos e filhas enfrentam em relação à modéstia.
Continua….
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*Esse artigo foi originalmente publicado na revista The Banner of Sovereign Grace Truth (Edição online de Agosto/2015) , traduzido com permissão do autor.
**Dr. Joel Beeke é presidente e professor de teologia sistemática no Puritan Reformed Theological Seminary (EUA). É pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation, editor da Banner of Sovereign Grace Truth, diretor editorial de Reformation Heritage Books, presidente da Inheritance. Foi co-autor, escreveu ou editou mais de 50 livros, dentre os quais, “Vivendo para a Glória de Deus” e “Vencendo o Mundo”. Obteve seu Ph.D. em Teologia da Reforma e Pós-reforma no Westminster Theological Seminary. Ele é convidado freqüentemente para lecionar em seminários e pregar em conferências ao redor do mundo. Ele e sua esposa, Mary, foram abençoados com três filhos: Calvin, Esther e Lydia.
*** Tradução: Julie Lawley
***Revisão: Rebeca Romero